segunda-feira, 2 de abril de 2012




[Projeto para estágio de pós-doutoramento em andamento]

O LABIRINTO E O LAGO NAS ALTURAS

(LEITURAS DE POESIA – FERNANDO PESSOA E AUGUSTO MEYER)

 [Supervisão:Profa. Dra. Vera Aguiar – PUCRS]


1.1  ANTECEDENTES

Desde meu curso de Mestrado em Literatura Brasileira[1], passando pelo doutoramento na mesma área[2], ambos cursos realizados na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tenho desenvolvido trabalho de investigação sobre as manifestações literárias inseridas na etiqueta “literatura íntima”. Após esse período de formação acadêmica, continuei minhas pesquisas relativas ao gênero autobiográfico através de orientações na graduação, com alunos bolsistas pibic-cnpq, bem como no curso de mestrado História da Literatura, FURG, com meus orientandos. Os resultados têm sido utilizados nas aulas ministradas especialmente na pós-graduação; as publicações que tenho feito igualmente têm seguido esse caminho[3].



No entanto, longe de encerrar a problematização do gênero autobiográfico, busquei apoio nas idéias de Antonio Candido para pensar sobre o impulso autobiográfico especialmente nos poetas de formação modernista. Analisando a produção de Graciliano Ramos, o crítico se refere a determinadas propostas literárias de alguns escritores. Ele observa que alguns se realizam no terreno da confissão; outros, no entanto, buscam a criação ficcional para se expressar. E há, ainda, os que produzem sob a premência da ficção e da confissão, de forma autônoma, mas complementar. Diz Antonio Candido:

O caso mais freqüente, porém, é o do romancista ou poeta que a certa altura sente necessidade de revelar-se diretamente, escrevendo confissões que completam e esclarecem a obra de criação – como estamos vendo em nossa literatura com Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Augusto Frederico Schmidt, Augusto Meyer, Álvaro Moreyra, Gilberto Amado.[4] 

Propus-me, então, um alargamento paulatino de corpus. Na esteira de nomes paradigmáticos do Modernismo Brasileiro, escolhi a produção de Manuel Bandeira, cuja obra poética encerra questões pertinentes ao meu tema de pesquisa. Sua importância é valor consensual e, justamente, assegurada por este juízo, pude observar que Bandeira publicou sua autobiografia Itinerário de Pasárgada quando contava 68 anos (mesma idade em que Drummond publica o primeiro volume de Boitempo). Contudo, esta produção de Bandeira se realiza inversamente à de Drummond: isto é, concretiza-se no reino da prosa narrativa. E, da mesma forma como sucede ao mineiro, Bandeira apresenta em sua Estrela da vida inteira várias peças poéticas que tematizam o autobiográfico.

            Na continuidade da pesquisa, observei que um dos mitos formadores da modernidade (e da alta modernidade) é, não por coincidência, um dos aspectos mais intrínsecos ao ato autobiográfico: o mito de Narciso. Esse mito parece ser o grande elemento impulsionador da autobiografia em Carlos Drummond de Andrade. Como sintoma mais visível e presente, basta apontar o grande número de poemas nos quais o poeta declara-se torto, estranho, solitário, fendido em dois, o gauche que já se declarava em 1930 no não menos famoso Poema de sete faces, além de  “Aquele córrego”, de Boitempo III, analisado em minha tese sobre o poeta.

Já em Manuel Bandeira, a presença do mito de Narciso na constituição do sujeito também se dá pela urgência problematizadora de sua imagem, mas o que parece determinante para sua escrita autobiográfica é outro mito, igualmente importante para a modernidade: o mito de Teseu[5]. O grande herói fundador que enfrenta o monstro Minotauro dentro de uma imensa caverna a qual só tem acesso pelos caminhos tortuosos de um menos insano labirinto. É o sujeito que sozinho não vence, pois necessita de algo que o localize no espaço e no tempo: o fio de Ariadne que fornece a memória de que não dispõe. Trata-se de um herói meio tosco e que esquece tudo. É o desmemoriado e por isso mesmo precisa lembrar. 

            Dando continuidade, elegi o poeta Murilo Mendes em virtude de sua relação com o Modernismo e, é claro, de sua postura autobiográfica em relação a sua “identidade” poética. A partir de uma vivência órfica da poesia, sua autobiografia, A idade do serrote, se faz sob a chancela do mito de Orfeu, que se estende, ou melhor, que ressoa em toda sua produção poética. Face essa problemática, o projeto O Orfeu desconcertado: a escrita autobiográfica em Murilo Mendes buscou investigar alguns procedimentos autobiográficos em sua obra, aqui tomada no âmbito da poesia propriamente dita, e no volume assumidamente autobiográfico A idade do serrote. Novamente se percebe a preocupação dos poetas em restringirem suas autobiografias a um período de “inauguração”, de fundação ou nascimento do ser das letras. A linguagem assume, dessa forma, um caráter vital de única possibilidade de existência. Estes elementos estão presentes no artigo O tempo da infância em Murilo Mendes, apresentado no “I Simpósio Internacional – escrever a vida. Novas abordagens de uma teoria autobiográfica”, na USP, em 2005.

            Na firme proposta de abranger um número maior de poetas modernistas como corpus, encontrei em Augusto Meyer um nicho exemplar. Por se tratar de um gaúcho, já que uma das linhas de pesquisa da pós-graduação da FURG é, justamente, História da Literatura do Rio Grande do Sul, entendi que Meyer também se coloca como transgressor a uma série de artifícios literários padronizados, aos quais os poetas acima mencionados igualmente subvertem. Assim, o projeto Caminhos e trilhas do gênero autobiográfico propõe-se a rever algumas marcas autobiográficas em sua poesia, bem como a buscar o imaginário sobre a infância em sua autobiografia Segredos da infância – No tempo da flor. 

            Foi a partir deste trabalho com Augusto Meyer que me detive mais cautelosamente nas reatualizações do mito de narciso nele presente. Com apoio teórico na Filosofia do Imaginário, através dos estudos de Gilbert Durand e de Gaston Bachelard, já referências em minhas pesquisas acima mencionadas, passei a eleger o tema relativo a narciso com enfoque mais explícito ao tratar da poesia brasileira. Foram resultados desta nova linha de pesquisa, alguns ensaios sobre Orides Fontela, Hilda Hilst, Mário Quintana, Cecília Meireles, Augusto Meyer, apresentados em congressos e/ou como conteúdo programático das aulas na pós-graduação. Com estes trabalhos passei a percorrer um outro sentido para aquilo que originou minha vida acadêmica. Das autobiografias apreendi o sentido do mito de Narciso no cruzamento com o mito do labirinto (mito de Teseu) e também com o mito de Orfeu, já que a palavra poética é uma das fontes mais profundas no desenho da identidade dos poetas.

1.2  ESTUDOS DA QUESTÃO              

As mais diversas manifestações literárias sempre se entregaram como palco exemplar para que reescrituras de mitos pudessem alcançar um patamar não apenas religioso, social, mas também estético. O teatro grego, notadamente Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, atesta esta espécie de sintonia fina entre o mito e a sua elaboração literária, como forma de reescrever e de permanecer no imaginário de um povo, de uma época. A poesia lírica, por seu turno, igualmente partilha desse arcabouço sobre os comportamentos humanos ritualizados em mitos. O gênero lírico, aliás, tem no mito de Orfeu uma de suas mais recorrentes genealogia. Ainda que o lírico se particularize pela presença de um “eu” subjetivo, por vezes de intensas colorações confessionais, ou por outra assumindo uma explícita ficcionalização, o mito lhe fornece motivos, temas e comportamentos para que o eu-lírico expresse um modo de ver a existência, ou de senti-la. É curioso reparar como isso se dá.De um modo geral, o mito é uma narrativa, porque do ponto de vista das teorias sobre o mito, notadamente àquelas elaboradas pela antropologia, o mito é relacionado a um conhecimento sobre o cosmos que deve ser partilhado e vivenciado por todos da comunidade (daí a presença de ritos que têm a função de reatualizarem o acontecimento primordial para que todos dele participem, como se fosse uma ‘catarse’); e o lírico é o exercício literário expresso em uma individualidade que se marca, no mais das vezes sem pudores. Este paradoxo propicia uma reelaboração muito particular de determinados mitos. Mais interessante ainda são as possibilidades de realizações poético-literárias.

A questão é extremamente fecunda, apresenta variadas faces, aportes teóricos divergentes que priorizam, cada qual, uma perspectiva que tanto aceita o mito como revelação de verdades quanto inserção do homem no cosmos, ou ainda motivo literário. Ruthven afirma que “os mitos têm origem obscura, forma protéica e significado ambíguo” (1997:13). E mais: que eles são imunes às explicações racionais, embora estimulem as pesquisas racionais; apresentam interpretações contraditórias; e nenhuma explicação ou definição foi suficiente, até hoje, para desvelar definitivamente o que é o mito (1997:13). No entanto, afirma que “o mito nada mais é do que ciência primitiva ou história, ou personificação de fantasias do inconsciente, ou ainda algum outro ‘solvente’ atualmente na graça dos sistematizadores” (1997: 14).

Aplicado à Literatura, o mito igualmente é vestido com variadas performances. E muitos são os teóricos, das mais diversas formações. Robert Graves, Northrop Frye, Meletinski, Barthes e Gilbert Durand são alguns dos nomes significativos. Ruthven (1997) lembra, no entanto, que há uma espécie de opinião persistente nos estudos literários, a qual relaciona o mito à literatura de forma estreita, embora obscura, e que o destino de um está atrelado ao do outro. Cita, para tanto, Schlegel: “A mitologia e a poesia forma uma unidade, e são inseparáveis” (SCHLEGEL, apud RUTHVEN; 1997:72). Ocorre que os europeus, de maneira geral,

(...) concebem a mitologia como um fenômeno exclusivamente Greco-romano, e deixam de perceber que a mitologia Greco-romana é preservada numa forma literária altamente sofisticada. Os folcloristas salientam que, na realidade, o que chamamos em Eurípedes ou em Ovídio não é mitologia, mas literatura feita a partir de mitos, literatura feita por artesãos que falsificam artisticamente os mitos a fim de criar alguma coisa (...) (RUTHVEN, 1997:72)

Por outro lado, o mitólogo salienta que a mitologia é uma espécie de patrimônio produtor de temas para os escritores. E faz a interessante ressalva: “os escritores, de algum modo, estão possuídos pelos mitos que relatam (ou inventam), em virtude de alguma aptidão única para pensar ‘miticamente’ numa era que tem aspirado, desde os dias de Sócrates, a pensar racionalmente” (RUTHVEN, 1997:93).

Corroborando esta opinião, mas seguindo uma outra linha de pesquisa e de raciocínio, o antropólogo francês Gilbert Durand, inspirado por uma outra lógica preconizada por Bacherlard, observou que no decurso do tempo, os mitos se rearticulam, engordam e emagrecem, de acordo com as premências do momento em que são re-atualizados. Durand chamou esse processo de “bacia semântica”.  Não quero, aqui, analisar todas as seis etapas cronológicas irregulares, sobre as quais se baseia a teoria formulada pelo antropólogo. Mas elas são: escoamento, separação das águas, confluências, nome do rio, ordenamento das margens e meandros e deltas[i]. Interessante reparar que essa metáfora potamológica dá conta dos processos de re-atualizações dos mitos. Durand diz que:

Não há mito inicial, puro (...). Qualquer mito não é senão o conjunto de suas lições, poder-se-ia mesmo dizer de suas leituras(...) O mito decompõem-se em alguns mitemas indispensáveis que lhe conferem sincronicamente o sentido arquetípico, mas, diacronicamente, ele é apenas constituído pelas lições circunstanciadas por esse acolhimento, essa leitura muito particularizada (...) Há que sublinhar este paradoxo, em que a permanência só é conferida pelas variações. (DURAND, 1996, p.155).

Seguindo a idéia da bacia potamológica de Durand, penso no mito de Narciso com as suas inúmeras possibilidades de releituras, com acréscimos e subtrações de mitemas que o formam neste imenso arco temporal ocidental. Nesta mesma medida, vejo o mito do Labirinto. Ambos se cruzam, se tocam, se impregnam de motivos um do outro. A presença e as inúmeras articulações destes dois mitos de maneira inequívoca na Literatura do século XX parecem indagar mais enfaticamente sobre os mistérios identitários que soçobram nos poetas.

Sobre o labirinto, a opinião de Balandier parece bastante sedutora:

Hoje, o mito do Labirinto, de Dédalo e do Minotauro é o que parece ilustrar melhor as interrogações. (...) O mito ainda fala. (...) Joga luz sobre um mundo onde a desordem parece dissolver a ordem, onde a complexidade crescente desencoraja qualquer emprego de uma lógica coerente, onde os sinais estão confusos e o homem busca os signos que possam demarcar seu trajeto. (BALANDIER; 1999: 10)

Balandier está pensando a reatualização do mito do Labirinto do ponto de vista da sociologia, e mais, na sobremodernidade, notadamente nos anos finais do século XX. Não obstante, trabalhando com uma forma de imaginário, ele oferece uma perspectiva fecunda para se pensar a Literatura, isto é, o fazer literário. Neste sentido, Dédalo, o gênio criativo, convive com o monstro enclausurado que só será libertado pelo herói desmemoriado – Teseu.  Interessante notar é que os ambientes espaciais relacionados ao mito do Labirinto, quaisquer que sejam os mitemas em relevância, são espaços terrentos, e sobre estes aspectos a imaginação material estudada por Gaston Bachelard é de extrema valia.  

Igual força simbólica se encontra no mito de Narciso, que passou a ser consumido de forma mais assídua a partir da modernidade, embora tenha aparecido na Literatura já no início da era cristã. Ovídio, poeta latino de 43 a.C à 16 d.C, fixou a primeira versão literária em Metamorfoses, e é sobre ela que as reatualizações do mito  começaram a ser feitas. O rapaz enamorado de si mesmo, tal como é visto na Antiguidade, cede lugar às angustiantes perguntas de construções identitárias do homem moderno. Sobre as relações especulares, é novamente Bachelard quem irá direcionar o caminho para que se observe que o reflexo de Narciso é acompanhado do reflexo do mundo. Bachelard chama de “narcisismo cósmico”, e salienta: “Um poeta que começa pelo ‘espelho’ deve chegar à ‘água da fonte’ se quiser transmitir sua ‘experiência poética completa’” (BACHELARD; 2002:24). Dos quatro elementos cosmogônicos que Bachelard elenca em seus estudos sobre o imaginário na e da poesia, a água é o mais assiduamente presente nas reatualizações do mito de Narciso. É na lâmina d’água –  que aceita a profundeza – que o eu-lírico irá se comprazer em observar seus contornos, seus indícios, seus olhos dentro dos quais tudo acontece.

Os dois mitos encaminham algumas questões a que me proponho. A poesia do Brasil modernista traz em si mesma as marcas fortes de ambos os mitos? De que maneira eles – os mitos – são representativos de um ‘modus vivendi’? De que se constituem as paredes flexíveis do labirinto moderno? Quem habita a cripta, Astérion ou Narciso? Ambos?  O Minotauro está no centro do mundo? De que mundo? Onde Narciso e Teseu se encontram? Os olhos do monstro refletem que imagem? Como os mitemas destes dois mitos, aparentemente muito diversos entre si, se conjugam na poesia?

Naturalmente, no decorrer da pesquisa, outras questões irão surgir. Contudo, parto do pressuposto de que a busca identitária é o ponto nodal que movimenta esta poesia produzida sob as forças renovadoras do Modernismo dos primeiros decênios do século XX. A escolha dos poetas que compõem o corpus deste projeto de pesquisa não é aleatória, embora tenha esta aparência. Além da localização temporal nos anos 20 e 30, pesa o meu gosto pessoal por Augusto Meyer e Fernando Pessoa (hortônimo). Na “Introdução” de A poética do espaço (1993), Bachelard diz que é necessário um envolvimento emocional com o texto para que o crítico também possa usufruir do devaneio que alicerçou a construção do poema:

(...) a simpatia de leitura é inseparável da admiração. Pode-se admirar menos ou mais, mas sempre um impulso sincero, um pequeno impulso de admiração é necessário para se obter o benefício fenomenológico de uma imagem poética. (...) Nessa admiração que ultrapassa a passividade das atitudes contemplativas, parece que a alegria de ler é reflexo da alegria de escrever, como se o leitor fosse o fantasma do escritor.(BACHELARD, 1993:10).

      Pois é justamente sob esta perspectiva que me coloco como “leitora de poesia”. Somam-se a isso, alguns aspectos que me parecem significativos – ainda que paradoxais – para uma aproximação entre os dois poetas. São distantes geograficamente, um deles de reconhecido valor mundial, o outro ainda desconhecido como poeta em seu país natal, nacionalidades diferentes mas aspectos culturais muito próximos, ambos se deixam impregnar por uma força nostálgica que parece impulsionar a escrita, enfim, vários aspectos que os individualizam e, por isso mesmo, os tornam, cada qual à sua maneira, representantes de um momento na composição do homem moderno-modernista.           

Augusto Meyer, como é sabido, tem sido considerado pela historiografia literária no Rio Grande do Sul como o poeta representativo do Modernismo aqui no sul. Mas pouco se estuda sua poesia. Fernando Pessoa é vinculado ao Modernismo Português como um de seus mentores; e sua poesia multifacetada tem sido motivo de inúmeros estudos e indagações teórico-críticas.

1.3  JUSTIFICATIVA

O presente projeto se justifica em função de alguns argumentos, a saber:

a)      Carência de estudos mais afeitos à mitanálise relativas à poesia, assim como à imaginação material;

b)      Experimentação crítica partindo da Filosofia do Imaginário com grande acento nas propostas de leitura de Bachelard;

c)      Necessidade de redimensionar a visão analítica sobre a poesia brasileira, especialmente a do Rio Grande do Sul, com o poeta Augusto Meyer;

d)       Propor uma aproximação entre poetas tão distintos – Fernando Pessoa e Augusto Meyer – e assim mesmo tão representativos de um mesmo processo de representação identitária no momento de uma aguda crise da Modernidade, em que pese uma singular confluência de dois mitos;

e)      Abrir perspectivas diferenciadas para a leitura de Fernando Pessoa e de Augusto Meyer


1.4  OBJETIVOS

O presente projeto objetiva:

a)      dar prosseguimento ao trabalho de pesquisa que venho realizando desde meu curso de mestrado, passando pelo doutoramento e minhas atividades acadêmicas e docentes, fomentando, assim, a criação de novas disciplinas no âmbito da pós-graduação;

b)      sistematização e posterior elaboração de um livro ensaístico sobre o tema, envolvendo os poetas que formam o corpus dessa pesquisa;

c)      Proceder à análise de poemas de Augusto Meyer e de Fernando Pessoa (hortônimo) em que pese a mitanálise aliada à imaginação material;

d)      Repensar a sistematização “tradicional” nos estudos de poesia;


1.5  EXPECTATIVAS DE PRODUÇÃO

Os resultados deste projeto de pesquisa deverão:

a)       ser apresentados sob forma de mini-cursos, comunicações e/ou palestras em seminários, congressos e outras atividades afins;

b)      servir de material para aulas curriculares na graduação e, em especial, na pós-graduação em Letras – mestrado em História da Literatura/FURG, bem como deverão servir de incentivo para novas pesquisas a serem desenvolvidas por futuros pós-graduandos;

c)      resultar na elaboração de textos ensaísticos, os quais integrarão um volume único para publicação, com os seguintes assuntos:



- O LABIRINTO DE UMA IDENTIDADE (sobre o Cancioneiro, de Fernando Pessoa)

- QUANDO O AR E A ÁGUA SE ENCONTRAM EM NARCISO (sobre Poesias, de Augusto Meyer)

- ensaio teórico-explicativo (base teórica: DURAND e BACHELARD; mito de narciso; mito do labirinto; mitos e mitemas que se entrecruzam; leituras sobre a literatura a partir do Imaginário; idéia do binômio ‘ressonância/repercussão’; o texto como representação de uma dada ‘realidade’ e como pedagogia para esta mesma ‘realidade’; o prazer de ler)

 1.6  METODOLOGIA

O excelente ensaio de Alfredo Bosi, como parte introdutória de seu livro Leitura de poesia (1996), afirma num dado momento:

       Entre os extremos do narcisismo sem raízes e da cultura sem sujeito, é grato saber que ainda atrai mais de um leitor crítico um modo de perceber as imagens do poema capaz de abraçar generosamente corpo e historicidade, matéria e significação. Falo da experiência poético-filosófico de Gaston Bachelard que vem resistindo à atual erosão das propostas modernas e se dá como alternativa a todo pensar destrutivo (p. 42).

A metodologia proposta para a execução deste projeto é baseada em recortes bibliográficos em que pese a Filosofia do Imaginário, notadamente apoiada nos ensaios de Gaston Bachelard e de Gilbert Durand. Deste, refiro-me em especial aos seus estudos relativos aos movimentos dos mitos em suas constantes reatualizações. Em Campos do Imaginário (1996), o antropólogo constrói um percurso exegético para apreender as variações por acréscimos e decréscimos de mitemas nos mitos. A metáfora da bacia potamológica é bastante eficiente para alcançar e justificar um dos aspectos a que me proponho estudar, qual seja, a “contaminação” de mitemas de um mito no outro.

De Bachelard, serão de imensa valia seus livros sobre a imaginação material, sobre os conceitos de devaneio poético, sobre os quatro elementos cosmogônicos através dos quais a matéria se expressa, sobre a imagem poética diretamente vinculada à imaginação, enfim, sobre aquele Bachelard que se convencionou chamar de “noturno”. Fazem parte: Psicanálise do fogo (1994), O ar e os sonhos (1990), A água e os sonhos (2002), A terra e os devaneios do repouso (2003), A terra e os devaneios da vontade (2001), A poética do espaço (1993), A poética do devaneio (1988), Fragmentos de uma poética do fogo (1990). 

Sobre os mitos, além de dicionários especializados, contarei com a substanciosa leitura de Metamorfoses, do poeta latino Ovídio. Além, é claro, de bibliografia específica sobre mitos, mito do Labirinto e mito de Narciso. Cito, especialmente, Gilbert Durand, Robert Graves, Georges Balandier, René Girard, Ruthven, Joseph Campbell, entre outros.

Nos aspectos intrínsecos da teoria de poesia, além dos estudos clássicos sobre o gênero, lembro o “roteiro” de Antonio Candido: Estudo analítico do poema (s/d), que oferece ao leitor um caminho seguro para uma exegese mais “formal”. Contudo, não poderia deixar de mencionar também as idéias de Michael Hamburger, em La verdad de La poesia (1991).  

A respeito dos textos ficcionais propriamente ditos, constarão desta pesquisa as produções poéticas de Fernando Pessoa, em Cancioneiro, e de Augusto Meyer, em Poesias – 1922/1955.

3 BIBLIOGRAFIA

ARAÚJO, Alberto & BAPTISTA, Fernando Paulo (coord). Variações sobre o imaginário. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.

BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

 BACHELARD, Gaston. A dialética da duração. São Paulo: Ática, 1988.

BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

BACHELARD, Gaston. A psicanálise do fogo. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios da vontade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios do repouso. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

BALANDIER, Georges. A desordem. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1997.

BALANDIER, Georges. O Dédalo. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1999.

BIERLEIN, J. F. Mitos paralelos. São Paulo: Ediouro, 2003.

BOSI, Alfredo (org). Leituras de poesia. São Paulo: Ática, 1996.

BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1983.

BOUTANG, Pierre. O tempo – ensaio sobre a origem. Rio de Janeiro: DIFEL, 2000.

BRUÑEL, Pierre (Org.) Diccionario de mitos literarios. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.

BURGOS, Jean. Pour une poétique de l’imaginaire. Paris: Seuil, 1982.

CAMPBELL, Joseph. (Org.) Mitos, sonhos e religião. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus – mitologia ocidental. São Paulo: Palas Athenas, 2004.

CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus – mitologia primitiva. São Paulo: Palas Athena, 1992.

CAMPBELL, Joseph. Mitologia na vida moderna. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 2002.

CAMPOS, Geir. Pequeno dicionário de arte poética. São Paulo: Cultrix, 1978.

CANDIDO, Antonio. Na sala de aula. São Paulo: Ática, 1989.

CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, s/data.

CARVALHAL, Tânia Franco. A evidência mascarada. Porto Alegre: LP&M, 1984.

CARVALHAL, Tânia Franco. Augusto Meyer. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1990.

CARVALHAL, Tânia Franco. O crítico à sombra da estante. Porto Alegre: Globo, 1976.

CARVALHAL, Tânia Franco. Quanto mais vaga, mais viva. In.: MEYER, Augusto. Melhores poemas de Augusto Meyer. São Paulo: Global, 2002.

CÉSAR, Guilhermino. Notícia do Rio Grande – literatura. Porto Alegre: Ed. da UFGRS, IEL, 1994.

CHAVES, Flávio Loureiro. Matéria e invenção – ensaios de literatura. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1994.

CHEVALIER&GHEERBRANT. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.

COHEN, Jean. A plenitude da linguagem: teoria da poeticidade. Coimbra: Almedina, 1987.

COUTINHO, Afrânio (org). A literatura no Brasil – modernismo. Rio de Janeiro: Sul Americana, 1970.

CROCE, Benedetto. A poesia. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1967.

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Lexicon Editora, 2007.

DIEL, Paul. O simbolismo na mitologia grega. São Paulo: Attar, 1991.

DUFRENNE, Mikel. O poético. Porto Alegre: Globo, 1969.

DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. Lisboa, Presença, 1989.

DURAND, Gilbert. Campos do Imaginário. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.

DURAND, Gilbert. L’imagination symbolique. Paris: PUF, 1998.

DURAND, Gilbert. O imaginário. Rio de Janeiro: DIFEL, 2001.

ELIADE, Mircea. Aspectos do mito. Lisboa: Edições 70, 1986.

ELIADE, Mircea. Mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo, 1992.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Lisboa: Livros do Brasil, s/d.

ELLIOT, T. S. A essência da poesia. Rio de Janeiro: Artenova, 1972.

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna (da metade do século XIX a meados do século XX). São Paulo: Duas Cidades, 1978.

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade pessoal. Oeiras, Portugal: Celta Editora, 1994.

GIL, José. Diferença e negação na poesia de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.

GIRARD, René. A voz desconhecida do real – uma teoria dos mitos arcaicos e modernos. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

GONÇALVES FILHO, José Moura. Olhar e memória. In.: NOVAES, Adauto (org). O olhar. São Paulo: Cia das Letras, 1988.

GRAVES, Robert. A deusa branca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

GRAVES, Robert. O grande livro dos mitos gregos. São Paulo: Ediouro, 2008.

HAMBURGER, Käte. A lógica da criação literária. São Paulo: Perspectiva, 1986.

HAMBURGER, Michael. La verdad de la poesía: tensiones en la poesía moderna de Baudelaire a los años sesenta. México: Fondo de Cultura Económica, 1991.

HEGEL. Estética - Poesia. Lisboa: Guimarães Editores, 1980.

HEIDEGGER, Martin. Arte y poesía. México: Fondo de Cultura Económica, 1992.

INGARDEN, Romam. A obra de arte literária. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1979.

JAMESON, Fredric. As sementes do tempo. São Paulo: Ática, 1997.

JEAN, Georges. Bachelard, la infância y la pedagogia. México: Fóndo de Cultura Econômica,

KAYSER, Wolfgang. Análise e interpretação da obra literária. Coimbra: Armênio Amado, 1985.

LEFEBVE, Maurice-Jean. Estrutura do discurso da poesia e da narrativa. Coimbra: Almedina, 1980.

LURKER, Manfred. Dicionário de Símbolos. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MARIEU, Philippe. A construção do imaginário. Lisboa: Piaget, s/d.

MARTINS, Fernando Cabral. Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português. Editorial Caminho, 2008.

MELETINSKI, E.M. A poética do mito. Rio de Janeiro: Forense – Universitária, 1987.

MELETINSKI, E.M. Os arquétipos literários. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.

MELLO, Ana Maria Lisboa. Poesia e imaginário. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.

MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. Lisboa: Veja, 2000.

MERLEUA-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

MERQUIOR, José Guilherme. A astúcia da mímese. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.

MERQUIOR, José Guilherme. Razão do poema: ensaios de críticas e de estética. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

MEYER, Augusto. Poesias – 1922/1955. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1957.

MOISÉS, Carlos Felipe. O poema e as máscaras. Coimbra: Almedina, 1981.

MOISÉS, Massaud. Fernando Pessoa – o espelho e a esfinge. São Paulo: Cultrix, 1988.

NOVAES, Adauto (Org.). O olhar. São Paulo: Cia das Letras, 1988.

PAZ, Octávio. A outra voz. São Paulo: Siciliano, 1993.

PAZ, Octávio. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

PEIXOTO, Paulo Matos. Mitologia grega. São Paulo: Germape, 2003.

PERRONE-MOYSÉS, Leyla. Fernando Pessoa: aquém do eu, além do outro. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.

PESSOA, Fernando. Obras completas de Fernando Pessoa. (XI volumes de poesia; IV volumes de prosa). Lisboa: Edições Ática, 1980.

RICOEUR, Paul. O si mesmo como um outro. Campinas: Papirus, 1991.

ROCHA, Clara Crabbé. Máscaras de Narciso – estudos sobre a literatura autobiográfica em Portugal. Coimbra: Almedina, 1992.

RUTHVEN, K.K. O mito. São Paulo: Perspectiva, 1997.

SCHLEGEL, Friedrich. Conversa sobre a poesia e outros fragmentos. São Paulo: Iluminuras, 1994.

SCHULLER, Donaldo. Narciso errante. Petrópolis: Vozes, 1994.

SIGANOS, André. Le Minotaure et son mythe. Paris : Presses Universitaires de France, 1993.

SILVA, Maria Luiza Berwanger da. Poesia e alteridade: Mário de Andrade, Augusto Meyer e a paisagem das “múltiplas moradas”. In.: www.ufrgs.br/iletras/anpoll/gt litcomp/forum, 2003.

SOUZA, Raquel R. Autobiografia em Manuel Bandeira: o outro itinerário de Pasárgada. In.: VÁRIOS. Cerrados – Revista do Curso de Pós-graduação em Literatura da UNB. Brasília: Unb, 2000.

SOUZA, Raquel R. Hibridação e identidade na poesia autobiográfica de Carlos Drummond de Andrade. In.: BERND, Zilá (Org.). Identidade e estéticas compósitas. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1999.

SOUZA, Raquel Rolando. Boitempo: a poesia autobiográfica de Drummond. Rio Grande: Editora da FURG, 2002.

SOUZA, Raquel. Memória e imaginário. In.: BERND, Zilá (org). Dicionário de mobilidades culturais – percursos americanos. Porto Alegre: Literalis, 2010.

STALLONI, Yves. Os gêneros literários. Rio de Janeiro: DIFEL, 2001.

SUHAMY, Henry. A poética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

TURCHI, Maria Zaira. Literatura e antropologia do imaginário. Brasília: Editora da UNB, 2003.

TYNIANOV, J. et alli. Teoria da literatura: formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1978.

VELLINHO, Moysés. Ensaios literários. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro: 2001.

VERNANT, Jean-Pierre. A morte nos olhos – figuração do outro na Grécia Antiga. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.







[1] Na época defendi a dissertação intitulada Artur Arão: no intermédio da ficcionalidade e da autobiografia, na qual, entre outros aspectos, fiz o levantamento de uma série de requisitos ideológicos e formais para a efetivação de uma produção dita autobiográfica.
[2] Em função das muitas questões teóricas que ficaram pendentes, propus-me a alargar a abrangência de minhas pesquisas relativas ao tema. Desse modo, minha tese de doutoramento, Boitempo: a poesia autobiográfica de Drummond, igualmente na área de Literatura Brasileira, pela mesma Universidade Federal do Rio Grande do Sul, continua na mesma linha de pesquisa.
[3] Estas publicações estão arroladas no meu currículo Lattes.
[4] CANDIDO, Antonio. Ficção e confissão – ensaios sobre Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. p.69.
[5] Manuel Bandeira, como o amigo Carlos Drummond de Andrade, também foge do padrão autobiográfico. As coisas do homem não serão colocadas no Itinerário de Pasárgada, mas em uma série de poemas espalhados por toda sua obra poemática. A poesia leva-o à construção de um labirinto de palavras, de poemas, de temas e assuntos, todos carregados da individualidade autobiográfica. Esse é um dos pontos analisados no meu artigo Autobiografia em Manuel Bandeira: o outro itinerário de Pasárgada, resultante de um projeto PIBIC – CNPq.





Nenhum comentário:

Postar um comentário